segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Amigos para Sempre (Luís Fernando Veríssimo)


Eram tão amigos, tão inseparáveis, que decidiram morar juntos. Não na mesmac asa, num condomínio de casas. Compraram um grande terreno e cada um dos quatro casais construiu sua casa. Nenhuma ficava a menos de 30 metros da outra e a grande área verde era comum às quatro. Ali, Paulo e Marta Helena, Zé Carlos e Titina, Alex e Flávia, Marino e Júlia continuariam fazendo o que sempre faziam, o que gostavam de fazer, o que os mantinha unidos.Conviveriam. Reuniriam-se ora na casa de um, ora na casa de outro. Fariam jantares― sempre só os oito ― todas as semanas. Jogariam. Vôlei: homens contra mulheres, ou times mistos (os que preferiam o Paul McCartney contra e os que preferiam o John Lennon, por exemplo; eram os anos 60) Mímica. "War".Cartas. Tinham todos mais ou menos a mesma idade. Não tinham filhos. Quando viessem os filhos, eles seriam criados ali, no condomínio.

Cresceriam juntos e seriam amigos como os pais eram amigos. Aquela amizade nunca acabaria.Amigos para sempre. Na inauguração oficial do condomínio, com os oito reunidos no centro do gramado compartilhado pelas quatro casas, os oito com copos de champanhe erguidos, o Paulo disse exatamente isso:― Amigos, para sempre.― Amigos para sempre ― disseram todos.Paulo disse mais. Disse:― Que a nossa vida seja sempre assim. Que nada mude. Que nunca nos separemos!― Que nunca nos separemos!Trinta anos depois, Alex convenceu a Júlia, com quem tinha se casado depois do divórcio dela e do Marino, a visitar o local. Júlia resistira. O Alex tinha aquelas manias. Era um sentimental. Ela preferia não ser lembrada do passado. Mas o Alex insistira e agora ali estavam eles, no meio da grama alta, do capim que quase chegava aos seus joelhos, olhando em volta, olhando as três casas ainda de pé e o que restara da quarta casa depois do incêndio."Que horror" disse a Júlia.Só uma das casas estava ocupada e seu dono obviamente não se preocupava em conservá-la, ou em cuidar do terreno.
A churrasqueira, que também era compartilhada pelo condomínio, estava coberta por vegetação selvagem. Um solitário espeto enferrujado jazias obre lajotas rachadas como uma arma deixada para trás depois de uma batalha perdida."Lembra?" disse Alex."Anrã" disse Júlia, desanimada. Era ali, na churrasqueira comum, num ensolarado domingo de manhã, na absurda briga do Paulo e do Zé Carlos, por nada, por um mal-entendido bobo, que a mágica começara a se desfazer. O fato do Paulo estar endividado e daTitina estar traindo o Zé Carlos com o Marino não ajudara, apesar do consenso de que o Zé Carlos sabia de tudo e não se importava e que o Paulo, sempre metido a grande coisa,merecia a ruína.Também fora ali, atrás da churrasqueira, que Alex e Júlia tinham começado seu namoro escondido. "Incrível", disse Alex, pensando na rapidez com que aquela amizade que duraria para sempre se desfizera. Culminando no episódio dos foguetes, a briga entre Pauloe Marta Helena e Zé Carlos e Titina porque o filho dos primeiros tinha passado no vestibular e o Zé Carlos Júnior não, os foguetes comprados para comemorar a vitória do Júnior atirados contra a casa de Paulo e Marta Helena porque estes festejavam a vitória do filho acintosamente, para humilhá-los.
O incêndio da casa de Paulo e Marta Helena, o processo, a orelha do Zé Carlos quase arrancada pela Marta Helena, e tudo o que se seguira. Incrível.― Você acha que a convivência humana é um inferno, Júlia?― Vamos embora, Alex.Ou: Paulo ergue o seu copo de champanhe no meio do gramado e diz.― Amigos para sempre.Todos:― Amigos para sempre!Paulo:― Que nossa vida seja sempre assim. Que nada mude. Que nunca nos separemos!― Que nunca nos separemos! Neste momento, algo acontece. Um raio atinge o copo erguido do Paulo. Há uma reversão de pólos magnéticos. Qualquer coisa assim. E 30 anos depois os quatro casais continuam os mesmos. Ainda vivem no condomínio e ainda têm a mesma idade. Nada mudou. Os oito usam as roupas e os penteados dos anos 60.Quando se visitam, o que é freqüente, as mulheres vão de minissaias ou "hot pants",os homens de cabelos compridos e calças apertadas com boca-de-sino.
O condomínio se transforma numa curiosidade, as pessoas vêm de longe para ver aquele fenômeno, a vida de oito amigos eternizados. Os oito fingem que não notam as pessoas espiando através da cerca, os helicópteros sobrevoando suas casas, e o fato de que nenhum deles envelhece ou muda de hábitos, ou consegue sair do condomínio. Com sua amizade salva do tempo, serão amigos para sempre, para sempre. Um inferno.Desculpa Na semana passada incluí o cômico Ankito numa lista de pessoas quem andavam e-mails do além. Não sei se o Ankito usa e-mail mas do além não é: vários leitores me avisaram que ele continua vivo e ativo. Espero que continue assim por muito tempo, e me desculpe.Tchau Estou, como se vê, precisando de férias. Vou tirá-las. Volto a mandar crônica(do além ou daqui mesmo) no dia 22 de junho. Até lá, tchau.

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